Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 37 nº 4 - Jul. / Ago.  of 2004

ARTIGO DE REVISÃO
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Page(s) 287 to 290



Dopplervelocimetria colorida dos vasos orbitais: técnica de exame e anatomia vascular normal

Autho(rs): Angélica Lemos Debs Diniz, Antonio Fernandes Moron, Maria Célia dos Santos, Nelson Sass

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Texto em Português English Text

Descritores: Dopplervelocimetria, Artéria oftálmica, Artéria central da retina, Vasos orbitais

Keywords: Dopplervelocimetry, Ophthalmic artery, Central retinal artery, Orbital vessels

Resumo:
A dopplervelocimetria colorida é uma modalidade do exame ultra-sonográfico que se expandiu rapidamente em todas as áreas da medicina, em virtude da sua riqueza de informações. A dopplervelocimetria colorida das artérias orbitais tem sido empregada no auxílio diagnóstico de doenças oftalmológicas, bem como para o estudo de doenças específicas como a pré-eclâmpsia. O objetivo deste estudo é descrever a anatomia normal da região orbital e detalhar a técnica de exame dopplervelocimétrico colorido, tendo em vista ser este um exame acessível e reprodutível. Acreditamos que surgirão novas aplicações deste método, que deverá ser inserido na prática diária do radiologista, visando à melhoria da qualidade do diagnóstico e seguimento das doenças oculares e sistêmicas.

Abstract:
Color dopplervelocimetry is an ultrasound modality that has rapidly expanded to all medical areas due to the large amount of information that can be obtained. Orbital color dopplervelocimetry has been used for the diagnosis of ophthalmic disorders and to study specific diseases such as preeclampsia. The aim of this study is to describe the normal anatomy of the orbit and the technical details of color dopplervelocimetry, since this is an accessible and reproducible technique. We believe that new applications for this technique will emerge and that it will be introduced in the daily practice of radiologists to improve the quality of diagnosis and follow-up of ocular and systemic diseases.

IIIProfessora Titular do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
IVProfessor Livre-Docente do Departamento de Obstetrícia da Unifesp/EPM

Endereço para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

Em várias doenças oftálmicas, como a retinopatia diabética e o glaucoma, há alterações significativas no padrão vascular ocular. A identificação destas alterações vasculares é importante, pois auxilia na programação de condutas terapêuticas. Existe grande interesse em se desenvolver novas técnicas não invasivas, acessíveis e reprodutíveis para o estudo da vascularização ocular.

Uma das técnicas descritas inicialmente para a análise da artéria oftálmica foi a dopplerfluxometria em preto e branco, porém este método mostrou-se muito impreciso, pois os vasos da circulação orbital são de pequeno calibre, o que reduzia a fidelidade dos dados obtidos durante o exame(1).

As primeiras publicações sobre a dopplervelocimetria colorida na circulação orbital datam do final da década de oitenta, quando foram descritos os padrões normais e alterados dos vasos arteriais e venosos, concluindo que a dopplervelocimetria colorida seria um método útil na investigação das doenças orbitais e oculares(1–4). Atualmente, com o emprego de equipamentos de alta resolução com dopplervelocimetria colorida, é possível determinar a anatomia vascular orbital com grande precisão. Além disso, este método reduz o tempo de execução do exame e favorece a correção adequada do ângulo de insonação do Doppler, para fins de cálculos das velocidades de fluxo no interior do vaso estudado.

O campo de estudo da dopplervelocimetria colorida dos vasos orbitais e oculares não ficou restrito à oftalmologia, sendo que vários autores publicaram sobre o método na avaliação da circulação orbital de gestantes portadoras de pré-eclâmpsia, visando a um melhor entendimento da fisiopatologia desta doença(5–8). Alguns autores também enfocaram o papel da dopplervelocimetria colorida na análise da resposta dos vasos orbitais diante da ação de drogas vasodilatadoras(8,9).

O objetivo deste estudo é descrever a anatomia normal da região orbital, bem como detalhar a técnica de exame dopplervelocimétrico colorido, tendo em vista ser este um exame acessível e reprodutível para pesquisa em vários segmentos da medicina moderna.

 

ANATOMIA DA CIRCULAÇÃO ORBITAL NORMAL

A circulação orbital é composta por vasos arteriais que se originam da artéria oftálmica, sendo esta artéria ramo direto da carótida interna, que é responsável por grande parte da irrigação cerebral. A artéria oftálmica raramente poderá originar-se da artéria meníngea média ou da artéria comunicante anterior(10), e na órbita ela se encontra localizada entre o músculo reto lateral e o nervo óptico. Este vaso origina-se na região temporal e posterior ao nervo óptico, dirigindo-se anteriormente ao nível da região nasal, depois de cruzar o nervo óptico, onde dá origem a grande parte dos seus ramos: artéria central da retina, artérias ciliares posteriores, artéria lacrimal, artéria supratroclear e artéria supra-orbital (Figura 1). Alguns autores demonstraram, em grandes séries de cadáveres dissecados, que existe uma variabilidade considerável no curso anatômico da artéria oftálmica e seus ramos(11,12). Nessas séries, o cruzamento da artéria acima do nervo óptico foi achado comum em 80% dos casos, mas este cruzamento também pode ocorrer abaixo do nervo. É importante lembrar que a artéria oftálmica compõe um dos eixos secundários que ligam o sistema carotídeo externo com o interno, seguindo a seqüência dos seguintes vasos: artéria carótida externa, artéria temporal superficial, artéria supra-orbital, artéria oftálmica e artéria carótida interna, a fim de manter o suporte sanguíneo para o sistema nervoso central. Este eixo vascular secundário é ativado na presença de estenose hemodinamicamente significativa da artéria carótida interna e pode ser diagnosticado através do registro de fluxo retrógrado no Doppler das artérias oftálmicas(10). A regulação do fluxo da artéria oftálmica está sob o controle do sistema nervoso autônomo, portanto, o estímulo de receptores cervicais simpáticos reduz o fluxo na artéria oftálmica, ao passo que a simpatectomia eleva o fluxo.

 

 

A artéria central da retina é um vaso que entra dentro do nervo óptico distalmente ao forame óptico, em conjunto com a veia central da retina, e termina na retina sem anastomoses significantes(3). Portanto, a artéria central da retina é um vaso terminal, que tem um mecanismo característico de auto-regulação, não estando, assim, sujeita à ação do sistema nervoso autônomo. A artéria central da retina mede em média 0,3 mm de diâmetro e pode ser observada até a uma distância de 1 cm da borda do nervo óptico(13).

As artérias ciliares posteriores longas e curtas perfuram a esclera para irrigarem o corpo ciliar, a íris e a coróide. Uma porção destes vasos é identificada no estudo dopplervelocimétrico colorido ao nível da face posterior da região do globo ocular.

A artéria lacrimal origina-se da artéria oftálmica quando esta ainda está lateral ao nervo óptico. O seu trajeto é lateral e anterior ao longo da borda superior do músculo reto lateral e irriga a glândula lacrimal, a conjuntiva e as pálpebras. Ela dará origem a um ramo meníngeo recorrente que se anastomosará com a artéria meníngea média, formando um eixo de comunicação entre as artérias carótidas interna e externa.

A artéria supra-orbital pode se originar em vários pontos da artéria oftálmica, o que dificulta a sua identificação pela dopplervelocimetria. A artéria supratroclear cruza a borda supra-orbital e irriga a fronte e o couro cabeludo, mas também é de difícil visualização na análise dopplervelocimétrica.

As veias oftálmicas passam lateralmente à artéria oftálmica e através da fissura orbital superior. São divididas em superior e inferior, sendo que o ramo superior pode ser identificado pela dopplerfluxometria, já o inferior é de difícil identificação por este método. A veia oftálmica superior é formada próximo à raiz do nariz pela união das veias supra-orbital e angular; além disso, ela acompanha a artéria oftálmica, passando através da fissura orbital superior e terminando no seio cavernoso. Já as veias vorticosas são em número de quatro, perfuram a esclera obliquamente e terminam nas veias oftálmicas, sendo responsáveis pela drenagem da úvea. A veia central da retina é identificada junto da artéria central da retina, entrando freqüentemente no seio cavernoso diretamente, podendo juntar-se com uma das veias oftálmicas.

 

TÉCNICA DE EXAME

O exame deve ser realizado com o paciente em decúbito dorsal ou em decúbito lateral esquerdo, no caso de gestantes. O transdutor é posicionado transversalmente na pálpebra superior do paciente com os olhos fechados, após a colocação de uma gota de gel. O examinador deverá realizar movimentos no sentido cranial e caudal, a fim de se identificar os vasos, mantendo o cuidado para não pressionar o transdutor sobre a pálpebra, pois esta pressão poderá alterar os resultados dopplervelocimétricos obtidos. O equipamento usado para o exame deverá ser de alta resolução, com transdutor linear eletrônico de 7,5 MHz. O ângulo de insonação da amostra volume da dopplervelocimetria deverá ser preferencialmente abaixo de 20 graus, com filtro de 50 Hz, freqüência de repetição de pulso (PRF) de 125 kHz e amostra volume de 2 mm. O tempo médio descrito para a execução do exame é de 5 a 15 minutos para cada órbita(3,14).

Não há diferença estatisticamente significativa dos dados obtidos de um lado do paciente para o outro, quando de trata de doenças sistêmicas ou em pacientes normais(15), além de ser um exame comprovadamente reprodutível(16).

A artéria oftálmica será identificada mais profundamente na face temporal da região retrobulbar, sendo possível visualizar o seu cruzamento anterior ao nervo óptico, prosseguindo medialmente em relação ao nervo em sua porção mais superficial. O registro da artéria poderá ser feito em qualquer ponto do seu trajeto, onde será obtido um fluxo de maior velocidade, com padrão dicrótico na fase de desaceleração, semelhante ao observado na artéria carótida interna (Figura 2). O pico de velocidade sistólica da artéria oftálmica é, em média, de 31 cm/s ± 4,2(4). Já a artéria central da retina é identificada no interior dos 5 mm proximais do nervo óptico e sua onda de velocidade de fluxo é pulsátil, com baixas velocidades, sendo necessário, em algumas vezes, reduzir a PRF para que se obtenha um registro melhor. É importante relembrar que o registro pulsátil e positivo da artéria central da retina deverá ser acompanhado do registro contínuo e negativo da veia homônima (Figura 3). O pico de velocidade sistólica da artéria central da retina é de aproximadamente 10,3 cm/s ± 2,1(4).

 

 

 

 

As artérias ciliares posteriores podem ser identificadas próximas ao nervo óptico e posteriormente à artéria central da retina (Figura 4). As ondas de velocidade de fluxo das artérias ciliares têm pulsatilidade semelhante à da artéria oftálmica, diferindo pelos picos de velocidade, que são menores e em torno de 12,4 cm/s ± 4,8(4).

 

 

A artéria supra-orbital pode ser identificada com a angulação cranial e anterior do transdutor posicionado transversalmente na superfície palpebral do paciente.

A veia oftálmica superior é identificada na órbita nasal superior, sendo formada pelas veias do vórtex, e cruza posteriormente o nervo óptico, com registro de onda negativa e contínua (Figura 5). As veias orbitais respondem à manobra de Valsalva, sendo observado fluxo retrógrado na fase inicial da manobra, seguido da ausência de fluxo na fase tardia da manobra e um acentuado fluxo anterógrado depois de cessada a manobra nos pacientes normais. O registro da onda venosa é caracterizado por fluxo negativo e contínuo. A falta do registro de fluxo no interior da veia configura a ausência da patência e o quadro de trombose venosa. Outra alteração venosa que pode ocorrer é a dilatação varicosa, em que se observa aumento do calibre da veia durante a manobra de Valsalva.

 

 

Existem várias formas de se quantificar o fluxo no interior dos vasos arteriais. Os índices mais usados são o índice de resistência de Pourcelot, o índice de pulsatilidade, os picos de velocidades sistólica e diastólica e o tempo de aceleração sistólico. Outras fórmulas usadas para se quantificar os fluxos no território orbital estão sendo propostas, visando à obtenção de dados mais fidedignos e reprodutíveis, já que este território é de baixa complacência e resistência(8,14,17). Nakatsuka et al.(7), em 2002, descreveram um novo índice para avaliação do fluxo na artéria oftálmica, por eles denominado de "peak ratio". Este índice consiste na divisão do segundo pico de velocidade (PVS2), obtido na onda de velocidade de fluxo dicrótica, pelo pico de velocidade sistólica (PVS1) (Figura 6). Portanto, quanto maior for o PVS2, maior será o "peak ratio", configurando um quadro de hiperperfusão no território da artéria oftálmica.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dopplerfluxometria colorida dos vasos orbitais é um campo aberto para estudo e pesquisa em várias áreas médicas, por se tratar de um exame reprodutível e de fácil execução por profissionais adequadamente treinados(18).

As alterações nos fluxos dos vasos orbitais têm sido usadas para caracterizar doenças e ampliar o entendimento de diferentes desordens vasculares de origem não tumoral, como obstrução da artéria carótida interna, oclusão da veia central da retina, arterite de células gigantes, glaucoma, diabetes mellitus, fístulas carótido-cavernosas, malformações arteriovenosas, cegueira com suspeita de isquemia do nervo óptico, bem como estudo e pesquisa em gestantes portadoras de hipertensão na gestação ou restrição de crescimento intra-útero(18,19).

Acreditamos que futuramente surgirão novas aplicações da dopplerfluxometria dos vasos orbitais e que este exame poderá ser inserido na prática diária do ultra-sonografista, visando à melhoria da qualidade no diagnóstico e seguimento das doenças oculares e sistêmicas.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Dra. Angélica Lemos Debs Diniz
Alameda João César de Souza, 110, Morada da Colina
Uberlândia, MG, 38411-154
E-mail: angelyca@uai.com.br

Recebido para publicação em 18/7/2003. Aceito, após revisão, em 29/7/2003.

 

 

* Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP.


 
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