Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 37 nº 2 - Mar. / Abr.  of 2004

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 115 to 123



Proposta de método de inspeção de radioproteção aplicada em instalações de medicina nuclear

Autho(rs): Leopoldino da Cruz Gouveia Mendes, Léa Mirian Barbosa da Fonseca, Antonio Carlos Pires Carvalho

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Texto em Português English Text

Descritores: Medicina nuclear, Radioproteção, Normas, Inspeção

Keywords: Nuclear medicine, Radiation protection, Rules, Inspection

Resumo:
O objetivo principal deste trabalho é implantar um método de inspeção imparcial e eficiente, visando à utilização segura e correta das radiações ionizantes no campo da medicina nuclear. Este método de inspeção aqui proposto foi aplicado em 113 serviços de medicina nuclear do país, obedecendo a uma freqüência de análise bienal (1996, 1998, 2000 e 2002). Foram estabelecidos 82 itens de radioproteção com pesos para cada item, baseados nos fatores de risco, de acordo com as normas da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e as recomendações da Agência Internacional de Energia Atômica. Na análise do serviço, cada item de não conformidade com as normas da CNEN gerou uma irregularidade de radioproteção, com seu peso associado. O somatório dos pesos deu a cada serviço uma pontuação final que o classificou dentro de três faixas de valores que determinaram uma tomada de decisão por parte do órgão regulador e fiscalizador: funcionamento sem restrição - menor que 100 pontos; funcionamento com restrição - igual ou maior que 100 e menor que 300 pontos; funcionamento suspenso - igual ou maior que 300 pontos. Para o caso de irregularidades reincidentes, criou-se um fator multiplicativo para a pontuação. A reincidência em qualquer item de radioproteção (irregularidade) teve seu peso multiplicado por 2n, onde n era o número de vezes em que o item encontrava-se irregular. O estabelecimento prévio de itens de radioproteção, com atribuição de pesos para cada item, procurou minimizar os valores subjetivos e pessoais presentes no julgamento e na avaliação técnica das instituições inspecionadas.

Abstract:
The main objective of this study is to implement an impartial and efficient inspection method for a correct and secure use of ionizing radiation in nuclear medicine. The radiological protection model was tested in 113 nuclear medicine services (NMS) all over Brazil, following a biannual analysis schedule (1996, 1998, 2000 and 2002). In the analytical process, we adopted the methodology of assigning different importance levels to each of 82 features, based on the risk factors established by the "Comissão Nacional de Energia Nuclear" (CNEN) and on the International Atomic Energy Agency (IAEA) recommendations. A feature was considered a radioprotection fault when in nonconformity with the rules mentioned above, and was imparted a grade. The sum of those grades, classified the NMS in one of the three different ranges, as follows: operating without restriction - 100 points and below; operating with restriction - between 100 and 300 points; temporary shutdown - above 300 points. Permission for the second group to carry on operation should be attached to a defined and restricted period of time (6 to 12 months), considered enough for the NMS to solve the problems and submit to a new evaluation. The NMS's classified in the third group are supposed to go back into operation only after compliance with all the pending radioprotection requirements. Until the next regular evaluation, a multiplication factor 2n was applied to the recalcitrant NMS's, where n is the number of unwilling occurrences. The previous establishment of those items of radioprotection, with their respective grades, excluded subjective and personal values in the judgement and technical evaluation of the institutions.

IIIProfessor Adjunto do Departamento de Radiologia, Coordenador Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Radiologia da Faculdade de Medicina da UFRJ.

Endereço para correspondência

 

 

Introdução

O uso comprovadamente crescente e diversificado das radiações ionizantes nas áreas da medicina, indústria, agricultura, pesquisa e nas atividades nucleares relativas à produção de energia não pode, de modo algum, ser dissociado de preocupações igualmente crescentes de segurança radiológica traduzida em radioproteção. Essas preocupações que, até recentemente, pertenciam apenas a uma elite científica, estenderam-se hoje no mundo globalizado a toda a população que vem se manifestando de modo contundente através de debates, indagações e questionamentos sobre o tema. Assim sendo, as instituições que operam com radiações ionizantes devem focalizar suas pesquisas visando à incorporação e à implementação de novas tecnologias de radioproteção de forma a buscar um maior benefício efetivo ao homem(1,2).

A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) tem por objetivo assegurar que as instalações que utilizam radiações ionizantes façam-no corretamente, dentro dos critérios e das normas de radioproteção. Isto vem garantir que os níveis de radiação sejam tão baixos quanto razoavelmente exeqüíveis, acarretando, conseqüentemente, a minimização da exposição às radiações ionizantes da população como um todo.

A aceitação da energia nuclear e suas mais diversas aplicações por parte da população estão associadas aos benefícios decorrentes dessas atividades e à garantia de que a incorporação dessa tecnologia seja, rigorosamente, feita à luz dos critérios atuais de segurança.

Existem no país aproximadamente 360 serviços de medicina nuclear (SMN) in vivo, 59% localizados na região Sudeste, 16% na região Sul, 15% na região Nordeste, 8% na região Centro-Oeste e 2% na região Norte.

O número estimado de câmaras de cintilação (gamacâmaras) em operação no país é de 400, sendo 100 câmaras planares e 300 tomográficas (SPECT). Existem ainda no país 30 cintígrafos retilíneos em uso.

Todos os SMN contam com pelo menos um medidor de atividade (curiômetro), totalizando 420 unidades. Quanto aos equipamentos tomográficos por emissão de pósitrons (PET), apesar de sua importância começar a despontar nos países mais desenvolvidos, ainda não faz parte da realidade da rotina da medicina nuclear deste país(3,4).

O presente método de inspeção de radioproteção aborda as etapas da fiscalização de responsabilidade da CNEN, em SMN no país e, ao mesmo tempo, quantifica o desempenho destas instituições em termos de radioproteção, através de pontuação das irregularidades observadas.

A sistemática adotada nas inspeções regulatórias ocorre com uma freqüência bienal. O processo de licenciamento inicial e de renovação periódica para o funcionamento dos SMN requer uma fiscalização e um relatório técnico conclusivo(5-7).

A metodologia adotada neste programa envolve aspectos de radioproteção e controle de qualidade de imagem estabelecidos na norma específica CNEN NE 3.05 "Requisitos de radioproteção e segurança para serviços de medicina nuclear"(7). Estes aspectos começam pela qualificação do responsável técnico (médico nuclear), passando pelas instalações físicas e equipamentos de radioproteção indispensáveis, chegando, até, aos procedimentos de manipulação de fontes e ao rejeito gerado. Existe, portanto, um amplo espectro de possíveis irregularidades com diferentes níveis de gravidade, devido à característica multidisciplinar da medicina nuclear(8,9).

Foram, por esta razão, estabelecidos pesos para cada irregularidade, tendo-se como referência as normas regulatórias da CNEN e levando-se em consideração os riscos associados a cada item.

A introdução desses pesos tornou possível a quantificação das irregularidades, considerando-se a gravidade dos riscos oriundos desta prática médica. Este método de inspeção de radioproteção possibilitou maior objetividade, imparcialidade e uniformidade da fiscalização, abrindo um amplo horizonte para que outras áreas adotem e aprimorem o referido método em seus programas de inspeção.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

O método de inspeção de radioproteção proposto neste estudo foi aplicado em 113 instalações de medicina nuclear do país, com a introdução de pesos para cada irregularidade encontrada no serviço de não conformidade com as normas da CNEN e com recomendações da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA)(10). Essa idéia de ponderar as irregularidades foi, ao longo dos anos, sendo aprimorada para realçar as mais atuais e urgentes carências da radioproteção em SMN do país, em função dos avanços tecnológicos, principalmente na área de instrumentação e de radiofármacos.

A escolha dos SMN neste programa obedeceu a dois critérios básicos. O primeiro constituiu no número e diversidades de exames realizados, sendo então escolhidas instalações de médio e grande porte que atendessem a este critério. O segundo critério foi a localização geográfica, de forma a abranger as regiões Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste, possibilitando uma análise representativa das condições de radioproteção em medicina nuclear no país.

Inicialmente, atribuiu-se o valor máximo de pontuação para aquelas irregularidades na presença das quais, segundo a norma 3.05 da CNEN, um SMN não pode ser autorizado a funcionar. São considerados requisitos essenciais a qualificação e certificação técnica dos profissionais do SMN, a instrumentação básica de radioproteção e as instalações físicas(11,12).

A falta de qualquer um dos itens acima significa uma grave irregularidade que, segundo as normas da CNEN, acarreta a suspensão das atividades do serviço. Para esses casos, atribuiu-se a pontuação máxima de 300 pontos. Este número, que é aleatório e tem apenas valor relativo, surgiu em função do somatório das irregularidades de menor risco e de ajustes que, somados, significavam alto risco para os profissionais ocupacionalmente expostos, para o público e para o meio ambiente, principalmente nos casos de Serviços que administravam doses terapêuticas com iodo-131 (131I)(7,12).

Em 1996, 1998, 2000 e 2002, aplicou-se este método de pontuação nas inspeções, a nível experimental. Entretanto, verificou-se, neste período, uma falha no método para os casos de serviços que apresentavam baixa pontuação e que, portanto teoricamente, poderiam conviver com pequenas irregularidades, sem a possibilidade de atingir a pontuação máxima e, conseqüentemente, não teriam necessidade de repará-las. Sendo assim, foi introduzido um fator multiplicativo para as irregularidades reincidentes, igual a 2n, onde n é o número de vezes em que o item foi encontrado irregular. Os serviços que apresentavam baixas pontuações, ou seja, irregularidades de baixos riscos, mas que não as reparassem, teriam a sua pontuação aumentada exponencialmente a cada inspeção realizada, podendo chegar até à suspensão das atividades.

No Quadro 1 encontram-se as três faixas de pontuação utilizadas.

 

 

Critérios de pontuações

Os critérios utilizados para pontuar as irregularidades tiveram como ponto de partida as normas da CNEN e as recomendações da AIEA(7,12). Entretanto, a experiência prática e uma visão mais aprofundada do funcionamento de um SMN foi fundamental para a avaliação dos riscos associados a esta prática médica.

Verificou-se, por exemplo, em levantamentos radiométricos na sala de manipulação de fontes, que as blindagens das fontes em uso, incluindo o gerador de tecnécio, quando insuficientes, aumentam consideravelmente os níveis de radiação ambiental do serviço como um todo. Esta irregularidade causava não só o aumento das doses individuais, mas contribuía para a perda de qualidade dos exames cintilográficos devido à grande sensibilidade das câmaras de cintilação modernas. Atribuíram-se 100 pontos para esta falha. A mesma pontuação é conferida para a deficiência de blindagem nos locais de preparo e diluição de fontes e na porta do quarto terapêutico.

Alguns SMN têm o depósito de rejeito fora da área física da instalação, existindo risco de invasão por pessoas não autorizadas. Por esta razão, atribuiu-se pontuação alta à falta de segurança física do depósito de rejeito. Ainda com relação a este depósito, é comum a sua utilização para a guarda de outros materiais que não são rejeitos radioativos. Isto ocorre, principalmente, quando o serviço cresce e há falta de espaço, aumentando o risco para as pessoas que entram nesse local e se expõem, desnecessariamente, às radiações(5,8).

Quanto à exigência do controle de qualidade das gamacâmaras, tanto planares quanto tomográficas, trata-se de uma medida que visa à segurança e à qualidade do exame cintilográfico. Com esta medida, obtém-se melhor qualidade de imagem, que beneficia o paciente e evita repetições. Este benefício estende-se também aos profissionais que realizam os exames com a redução da exposição às radiações.

No Quadro 2 encontram-se listadas as pontuações estabelecidas nesses casos.

 

 

No Quadro 3 encontram-se listadas as irregularidades de risco intermediário às quais foram atribuídos 50 pontos. O Quadro 3 inicia-se com os aspectos de treinamento e transporte interno. A realização de treinamento periódico de radioproteção com todo o pessoal do "staff", principalmente com os técnicos responsáveis pela manipulação, é fundamental para a redução dos riscos e a prevenção de incidentes e acidentes com fontes abertas(7,8).

 

 

No que se refere ao transporte interno, alguns SMN que realizam aplicações terapêuticas devem dispor de procedimentos de radioproteção para o transporte de fontes, uma vez que as atividades envolvidas de 131I são relativamente altas. A falta desses procedimentos é, particularmente, mais grave quando se trata de um SMN que utiliza quarto terapêutico fora das dependências de sua instalação.

Os dois itens seguintes do Quadro 3 referem-se à administração de radiofármacos e à sala de ergometria. No primeiro caso, a existência de lixeira blindada no local de administração de doses, bem como a segregação e guarda dos rejeitos radioativos, evitam a exposição continuada dos profissionais que trabalham nessa atividade. Quanto à sala de ergometria, com administração de radiofármacos, deve ser realizado o mesmo procedimento, seguido de monitoração de contaminação de superfície, principalmente em se tratando dos casos em que esses procedimentos se realizam fora da área do SMN.

Os cinco itens seguintes do Quadro referem-se aos instrumentos de medidas de radioproteção e ao curiômetro. O encaminhamento dos monitores para calibração com freqüência bienal é fundamental para assegurar a medida correta dos níveis de radiação das áreas restritas, a qual deve ser realizada quinzenalmente, com o objetivo de verificar se as barreiras protetoras se mantêm suficientes.

A monitoração de contaminação de superfícies na sala de manipulação deve ser feita diariamente após a jornada de trabalho, com vistas a detectar possíveis contaminações do local e evitar que essas contaminações sejam levadas até as residências dos profissionais que manipulam as fontes.

Quanto ao curiômetro, o controle de qualidade é determinante para assegurar que a atividade administrada ao paciente seja aquela prescrita pelo médico, evitando-se doses excessivas ou doses insuficientes levando à repetições de exames ou à baixa da qualidade do diagnóstico.

Os sete itens seguintes referem-se ao laboratório de manipulação — conhecido como "sala quente" —, no que diz respeito aos aspectos de instalações físicas, blindagens das fontes e equipamentos de proteção individual.

O laboratório de guarda e manipulação de fontes, ou "sala quente", deve guardar algumas peculiaridades físicas, tais como paredes e pisos lisos e impermeáveis. Isto se deve ao fato de ser um local onde ocorre, com frequência, pequenos incidentes de respingo ou mesmo quebra de recipientes contendo material radioativo. Essas características facilitam a descontaminação.

Quanto à blindagem das fontes e dos rejeitos, ela é fundamental para a segurança de todos os profissionais do serviço, principalmente daqueles que manipulam as fontes, mantendo os níveis de exposição os mais baixos possíveis. A mesma preocupação deve ser estendida ao laboratório de rejeito nos três itens seguintes.

O quarto terapêutico, enfocado nos dez itens seguintes do Quadro 3, é de especial importância dentro de um SMN, porque se trata de um procedimento que envolve alta atividade de 131I, com risco de contaminação resultante dessa atividade(9). Os cuidados começam pela escolha do local, que deve ser restrito, de forma a evitar a circulação de pessoas próximas ao quarto. Os pisos e paredes devem ser lisos, tanto do quarto como do sanitário exclusivo. O treinamento do pessoal de enfermagem é essencial, uma vez que o local apresenta-se altamente contaminado e o paciente é uma fonte com grande poder de irradiação.

Cuidados especiais de radioproteção devem ser tomados externamente, na porta do quarto, através da colocação de tabuleta contendo informações sobre o procedimento, além da colocação do símbolo internacional de radiação. Na saída do paciente, o quarto deve ser monitorado e descontaminado utilizando-se um monitor de contaminação de superfície(8).

No Quadro 3 encontram-se listadas as pontuações para a falta dos atributos discutidos nos parágrafos anteriores.

No Quadro 4 encontram-se listadas as irregularidades que apresentam pontuação média (30 pontos). Essa relação começa pelo uso do sanitário exclusivo, somente para pacientes com dose administrada. Uma pessoa do público ou mesmo um profissional do "staff" não deve utilizar esse sanitário, devido à grande possibilidade de contaminação.

 

 

O segundo item desse Quadro diz respeito ao sistema de extração de ar. Este dispositivo é essencial para SMN que realizam estudos de ventilação pulmonar ou que manipulam substâncias voláteis.

O terceiro item é referente à informação das doses individuais dos profissionais ocupacionalmente expostos. O responsável pela radioproteção deve informar sobres as doses individuais pessoalmente ou pela fixação desses resultados em quadro de aviso próprio.

Os itens seguintes referem-se à questão do acesso às áreas restritas do serviço, tais como sala de pacientes com doses injetadas, sala de administração de radiofármacos, sala de ergometria, sala de exames, "sala quente", sala de rejeitos e quarto terapêutico. Nesses locais, o acesso é somente permitido a pessoas com controle dosimétrico e, excepcionalmente, a pessoas autorizadas pelo responsável pela radioproteção(12). O não cumprimento dessa exigência pode levar pessoas do público a ultrapassarem os limites de dose estabelecidos em normas da CNEN, trazendo riscos de contaminação externa e interna por radionuclídeos.

No Quadro 5 estão dispostas as irregularidades com pesos iguais a 20, começando pela monitoração individual externa. O SMN deve providenciar um laboratório de dosimetria autorizado pela CNEN.

 

 

O segundo item do Quadro 5 trata do local de guarda do dosímetro no SMN. Este local deve localizar-se em área livre e protegido da umidade de forma a evitar que seus resultados sejam mascarados por alterações não advindas do trabalho com radiação ionizante.

Os sete itens seguintes versam sobre os registros de dose acumulada, monitoração, inventário de rejeitos, ocorrências radiológicas, controle de qualidade do curiômetro e da gamacâmara. Esses registros são fundamentais para o bom funcionamento do SMN, tanto na radioproteção do pessoal quanto na qualidade do diagnóstico, porque permitem acompanhar o desenvolvimento dos equipamentos e seu grau de deterioração ao longo do tempo(11).

Os itens seguintes referem-se à sinalização com o símbolo internacional de radiação nas áreas restritas do serviço, a qual tem como finalidade alertar pessoas não autorizadas sobre o perigo das radiações ionizantes(10).

Ainda no Quadro 5 trata-se de aspectos de radioproteção na "sala quente", sala de rejeitos e quarto terapêutico. Na "sala quente", as forrações das bancadas com plástico e papel absorvente facilitam, enormemente, o trabalho de descontaminação. A profundidade da pia evita contaminação do pessoal através de respingos de material radioativo. A torneira deve ser utilizada sem a necessidade do uso das mãos, para evitar sua contaminação após o processo de manipulação ou de marcação dos radiofármacos, em que, facilmente, tem-se as luvas contaminadas. Procedimentos de manipulação inadequados devem ser corrigidos porque acarretam danos resultantes da ampliação da contaminação para outras áreas do serviço.

Na sala de rejeitos radioativos é particularmente importante a segregação dos radionuclídeos em compartimentos blindados com embalagens adequadas. Essa segregação evita que o técnico se exponha, desnecessariamente, às radiações durante a manipulação dos rejeitos para o seu descarte(7,10). O tempo de armazenamento adequado é fundamental para evitar a contaminação de pessoas e do meio ambiente.

Finalmente, no quarto terapêutico também é de fundamental importância a colocação de um biombo blindado entre a porta e o leito para a proteção do pessoal da enfermagem, durante os procedimentos com o paciente. Os objetos do quarto devem ser revestidos porque são passíveis de contaminação.

O Quadro 6 mostra os itens de menor peso, mas que têm sua importância para o funcionamento de um SMN. Os dados cadastrais são essenciais para a comunicação com o órgão fiscalizador, que vai desde uma simples informação burocrática até uma comunicação de um acidente com fontes radioativas.

 

 

O uso de atividades de radionuclídeos acima dos valores autorizados pode, em caso de perda ou sinistro da fonte, dificultar a sua identificação e o seu controle.

O controle dosimétrico é fundamental para o acompanhamento das doses ocupacionais e para a tomada de decisões em casos de acidentes e incidentes.

 

Cálculo da pontuação

A avaliação de proteção radiológica dos SMN no Brasil, através da obtenção de determinado número de pontos e classificação dentro de faixas de valores que determinaram a orientação do órgão regulador e fiscalizador (funcionamento sem restrição, com restrição e suspensão), respeita um método definido pela determinação de algumas variáveis e a relação entre elas:

i = item investigado (por exemplo, blindagem,...);

Pi = peso do item i (pontuação atribuída ao item i) (Quadros de 2 a 6);

Xi = ocorrência de irregularidade no item i (variável binária);

n = número de reincidências da irregularidade no item i;

2n = fator multiplicador da irregularidade reincidente;

82 = número total de irregularidades (exigências não cumpridas).

A execução dessa metodologia requer, como apoio, uma tabela de pesos de cada item a ser avaliado nas inspeções. A cada inspeção duas variáveis são observadas:

• Xi: verificação da incidência de problemas em cada um dos itens pontuados no Quadro 5. Em caso de incidência, toma-se Xi = 1, caso contrário, Xi = 0.

• n: verificação da reincidência de um problema em determinado item. Neste caso, o inspetor deve ter em mãos a inspeção anteriormente realizada. Caso o problema esteja ocorrendo pela primeira vez, toma-se n = 0, caso contrário, n será igual ao número da reincidência (1, 2, 3,...).

Concluída a inspeção, o serviço recebe uma pontuação geral levando em conta o total de itens averiguados, sendo o resultado expresso por:

onde o fator 2n incide sobre cada item reincidente e n e i são números inteiros positivos.

O método é concluído com as equações de restrição para o somatório acima descrito, que levará à determinação das sanções a serem adotadas quanto ao funcionamento da instalação.

Para continuar em funcionamento sem restrições:

Para funcionamento com restrições:

Para suspensão das atividades do Serviço até o cumprimento das medidas de segurança:

Este método de inspeção de radioproteção adotou 82 itens de irregularidades, baseados na atual norma NE 3.05 da CNEN(7). Foram atribuídos pesos (10, 20, 30, 50, 100 e 300) para cada irregularidade observada, de acordo com o risco associado. No entanto, esses valores são perfeitamente mutáveis e, portanto, passíveis de mudanças com o tempo, em decorrência de modificações da norma ou de novos conceitos de radioproteção, sem prejuízo para o método em discussão.

 

RESULTADOS

Este método de inspeção de radioproteção foi aplicado em 113 instalações a partir de 1996, com frequência bienal entre uma inspeção e outra, obedecendo à norma 3.05 da CNEN e às recomendações da AIEA.

Foram analisados 82 itens de radioproteção em cada SMN inspecionado.

A partir de 1996, levantaram-se os valores de dose acumulada anual dos profissionais envolvidos diretamente na manipulação das fontes radioativas. São profissionais que, geralmente, recebem a maior carga de exposição às radiações, devido à natureza de suas funções. Dentro do "staff" são ligados à radiofarmácia e têm, como função principal, a eluição do gerador de 99mTc, a marcação de moléculas, o fracionamento, a diluição e a administração de doses em pacientes.

Existe, portanto, correlação direta nos valores de doses individuais desses profissionais com as condições de radioproteção do serviço, a carga de trabalho e com os procedimentos de manipulação de fontes.

Verificou-se que nos serviços que obtiveram altos valores de pontuação devido a irregularidades de radioproteção, a dose acumulada anual dos profissionais diretamente expostos às radiações era, em geral, mais alta do que naqueles serviços que apresentaram baixa pontuação. Entretanto, verificou-se, por outro lado, que existiam serviços com baixos níveis de pontuação e doses elevadas. Este fato deveu-se, principalmente, a falhas sistemáticas de procedimentos de manipulação, ou seja, contaminação das mãos ao retirar as luvas, tocar em objetos e utensílios do laboratório com as luvas, sair do laboratório para as áreas livres sem a devida monitoração (uso incorreto de equipamentos de proteção individual) ou de excesso de carga de trabalho (falta de revezamento adequado) por parte dos técnicos responsáveis pela manipulação de fontes.

Os resultados apresentados na Figura 1 mostram mudanças significativas no desempenho das 113 instituições inspecionadas em todo o país.

 

 

A implementação das ações corretivas de radioproteção por parte dos SMN, advindas do programa de inspeção, sob a égide da norma 3.05 da CNEN e do aprimoramento qualitativo do ensino de radioproteção nas residências médicas, possibilitou um salto significativo no desempenho dos serviços em todo o país.

Os valores de dose dos profissionais ocupacionalmente expostos nas sucessivas inspeções (1996, 1998, 2000 e 2002) foram sendo reduzidos em virtude da otimização dos sistemas de radioproteção e do aprimoramento dos procedimentos de manipulação das fontes radioativas.

Outro fator de relevância observado neste programa de inspeção foi o aumento de especialistas em radioproteção e controle de qualidade da instrumentação, atuando nos SMN. O aumento desses profissionais na área de medicina nuclear tem sido imposto pelo avanço tecnológico da instrumentação de imagem, deixando o médico nuclear cada vez mais voltado para as questões médicas propriamente ditas: o diagnóstico e a terapia dos pacientes.

Índice de correlação

A validação do método pode ser observada pelo aumento do índice de correlação entre as variáveis resultado e dose acumulada anual ao longo dos anos (Quadro 7).
Variável 1: resultado (pontos obtidos).
Variável 2: dose acumulada anual (mSv).

 

 

 

A melhora do índice de correlação a cada inspeção realizada a partir de 1996 demonstra uma significativa redução da dose do pessoal ocupacionalmente exposto, à medida que as condições de radioproteção dos SMN eram otimizados.

O gráfico da Figura 2 mostra a média da pontuação e das doses de todos os SMN inspecionados em cada ano. Em 1996, a média da pontuação, bem como das doses, foram bastante altas, em comparação aos anos subseqüentes (1998, 2000 e 2002).

 

 

A média de pontos no ano de 1996 foi substancialmente alta nos SMN de todas as regiões do país, especialmente no Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste, que apresentaram maior número de irregularidades. A região Sul apresentou média inferior e a região Norte é pouco representativa, uma vez que concentra apenas 2% dos SMN do país (Figura 3).

O panorama da radioproteção da medicina nuclear foi sensivelmente modificado em todo o país, a partir da segunda inspeção realizada em 1998. A Figura 3 mostra que houve grande incremento da radioproteção, através das medidas corretivas implementadas pelos serviços, traduzidas pela pontuação (irregularidades) média, que caiu cerca de três a quatro vezes.

A partir da terceira inspeção, realizada em 2000 (Figura 3), verifica-se certa acomodação dos resultados. O incremento produzido pelas ações de radioproteção apresentou-se mais tênue, uma vez que as medidas corretivas realizadas anteriormente pelos SMN elevaram o nível das condições de radioproteção, acarretando mudança menos expressiva.

A quarta inspeção, implementada em 2002 (Figura 3), mostra uma situação análoga à terceira inspeção realizada em 2000. Pode-se observar que existe certo incremento das condições de radioproteção nos SMN de todo o país, porém em menores proporções do que as observadas anteriormente. Isto, em última análise, sinaliza para um amadurecimento da especialidade, traduzido por uma melhora efetiva e duradoura dos níveis de radioproteção da medicina nuclear em todo o país.

Os resultados apresentados nos gráficos da Figura 4 mostram uma evolução significativa dos níveis de radioproteção e o acompanhamento da redução das doses do pessoal ocupacionalmente exposto. Isto se deve às ações corretivas de radioproteção levadas a cabo pelos SMN, ao longo de todo o programa de fiscalização, utilizando o método de pontuação (1996, 1998, 2000 e 2002). Observando esses gráficos, verifica-se grande semelhança nas curvas de pontuação (irregularidades) e doses entre as diferentes regiões do país (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste). A partir desses resultados, pode-se concluir que a otimização dos sistemas de radioproteção ocorreu de modo uniforme no país, ou seja, não existe hoje diferença regional em termos de qualidade dos SMN, ao contrário do passado (meados da década de 80), em que os SMN da região Sudeste (especificamente, Rio de Janeiroe São Paulo) eram sensivelmente superiores aos serviços das demais regiões, em todos os aspectos, desde a instrumentação e instalações físicas até os sistemas de radioproteção.

 

DISCUSSÃO

Este programa foi concebido com base na experiência profissional, que resultou na percepção da necessidade da criação de um método capaz de avaliar de forma objetiva e eficiente os aspectos de radioproteção que envolvem as atividades de medicina nuclear.

É necessário ressaltar que o método de pontuação é importante ferramenta no processo de fiscalização, contudo, ela não é cartesiana ou definitiva e sim dinâmica e maleável às novas situações de radioproteção. Por esta razão, existem três faixas de pontuação em que o SMN pode ser enquadrado. Estas faixas apresentam, evidentemente, variáveis e incertezas nas situações limítrofes, que necessitam de análise alicerçada na experiência de radioproteção da equipe.

A partir de 1996, foram levantadas as doses acumuladas anuais do pessoal ocupacionalmente exposto às radiações ionizantes dos SMN. Trata-se de profissionais que manipulam as fontes radioativas, realizam a eluição diária do gerador de 99mTc e fazem a administração de doses terapêuticas de 131I. Na maioria dos SMN do Brasil, são técnicos de nível médio que realizam geralmente essas funções, à exceção dos SMN de grande porte, que possuem um setor de radiofarmácia e desenvolvem seus próprios traçadores. Nestes casos, os profissionais envolvidos nessas atividades são farmacêuticos, biólogos ou biomédicos. Esses profissionais representam verdadeiros indicadores das condições dos sistemas de radioproteção do SMN. O programa de inspeção utilizando o método de pontuação apontou, claramente, para uma otimização dos sistemas de radioproteção dos SMN do país. Esta otimização, no entanto, não se prendeu unicamente à questão da radioproteção, mas também ao nível da qualidade da instrumentação dos serviços em geral. Era comum notarem-se fortes diferenças na qualidade dos serviços de uma região para outra, ou seja, os serviços localizados no eixo Rio-São Paulo apresentavam, no passado, qualidade diferenciada das regiões mais modestas do país em termos da instrumentação de imagem.

Também era comum, por exemplo, encontrar-se número relativamente maior de câmaras tomográficas nas regiões Sul e Sudeste do que nas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Hoje não existe mais tal diferenciação, nem na instrumentação, nem tampouco nas instalações físicas e, conseqüentemente, na radioproteção.

Os resultados obtidos, utilizando o sistema de pontuação, mostraram que não existe diferença de desempenho de radioproteção dos SMN, entre as regiões economicamente desiguais do país. Todavia, é provável que, no futuro, venha a existir, novamente, uma diferenciação regional quanto à qualidade da instrumentação, devido ao advento dos equipamentos de emissão de pósitrons (PET) no país. Isto porque somente os serviços localizados próximos aos centros de produção de radioisótopos poderão adquirir tais equipamentos, em função da necessidade de radioisótopos de meia-vida curta, por exemplo, o flúor-18 (18F).

O gráfico da Figura 2 mostra a média da pontuação e das doses em cada ano. Em 1996, a média da pontuação, bem como as doses, foram bastante altas, em comparação aos anos subseqüentes. Isto significa que, de modo generalizado, os SMN tinham falhas de radioproteção detectadas pelo programa de inspeção realizado em 1996 e que, a partir de 1998, houve uma mudança considerável na qualidade dos sistemas de radioproteção dos SMN, em decorrência da vigoração da norma 3.05 da CNEN e do programa de inspeção regulatório, estabelecido pela CNEN. A implementação de medidas corretivas de radioproteção foi levada a cabo pelos SMN, movidos por uma maior conscientização dos aspectos de radioproteção, aliado ao poder coercitivo exercido pela CNEN.

Esta mudança pode ser verificada no gráfico da Figura 2, com a redução das doses do pessoal ocupacionalmente exposto e a diminuição significativa da pontuação. As curvas de dose e de pontuação sofreram queda expressiva e assumiram um patamar com tendência de queda, evidenciando que as ações de radioproteção implementadas pelos SMN foram eficientes.

Esta melhora reforça e valida a eficácia do método de pontuação como instrumento de avaliação como pode ser observado através do aumento do índice de correlação entre as variáveis resultado (pontuação) e dose acumulada anual ao longo dos anos (Quadro 7). Em outras palavras, a melhora deste índice a cada inspeção demonstra que o resultado de pontos obtidos pelos serviços representa, cada vez de forma mais eficiente, uma redução da exposição às radiações a qual se submete o pessoal ocupacionalmente exposto. Por outro lado, a variação do índice de correlação a cada ano de inspeção também significa que se busca uma melhoria contínua (otimização do método), através de ações tais como:

•análise e modificação dos pesos estabelecidos para os diversos itens;

•possibilidade de criação de novos itens a serem avaliados;

•diferenciação na valoração das reincidências de acordo com o risco associado.

Este método de inspeção de radioproteção em medicina nuclear, com base na pontuação das irregularidades em função dos riscos, iniciado em 1996 mostra, claramente, a evolução da medicina nuclear, em termos de radioproteção no país.

Em síntese, este estudo buscou criar novos mecanismos tecnológicos na área de radioproteção, visando à implementação de uma fiscalização, não apenas coercitiva, mas também de caráter educativo. Beneficia-se com essa medida o paciente, com melhor qualidade da imagem, evitando-se repetições de exames, e também os profissionais que trabalham no serviço, vindo a se expor menos às radiações ionizantes.

 

CONCLUSÕES

1. O método de inspeção de radioproteção desenvolvido, baseado no sistema de pontuação, possibilitou uma avaliação objetiva, eficiente e imparcial dos SMN do país. O estabelecimento prévio de itens de radioproteção, com a atribuição de pesos para cada item, em função de seus riscos associados, excluiu os valores subjetivos e pessoais presentes no julgamento e na avaliação das questões técnicas de uma mesma instituição, visitada por diferentes equipes de fiscalização da CNEN.

2. A implementação do programa de inspeção contribuiu significativamente para a otimização dos sistemas de radioproteção e, conseqüentemente, para a redução das doses em trabalhadores dos SMN, fato este evidenciado pelos resultados observados ao longo das sucessivas inspeções realizadas em todo o país.

3. A tomada de decisão pelos setores do órgão regulador e fiscalizador (CNEN) responsáveis pelo licenciamento e controle de instalações de medicina nuclear foi respaldada por pareceres técnicos consistentes, calcados na legislação normativa vigente.

4. Foi evidenciado, pelos resultados das inspeções bienais, um substancial incremento das condições de radioproteção dos SMN do país, advindo da correção das irregularidades e da adequação às normas de radioproteção estabelecidas pela CNEN.

5. Os resultados do desempenho dos SMN do país apontam para uma especialidade que cresceu e amadureceu nas duas últimas décadas em todas as regiões do país. Atingiu um grau de complexidade comparável a qualquer país desenvolvido, tanto na instrumentação de imagem quanto nos aspectos de segurança radiológica do trabalhador ocupacionalmente exposto, do público e do meio ambiente.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Leopoldino da Cruz Gouveia Mendes
Rua Décio Vilares, 335, ap. 202, Copacabana
Rio de Janeiro, RJ, 22041-040
E-mail: leo@ird.gov.br

Recebido para publicação em 18/3/2003. Aceito, após revisão, em 11/7/2003.

 

 

* Trabalho coordenado no Instituto de Radioproteção e Dosimetria da Comissão Nacional de Energia Nuclear (IRD-CNEN), Rio de Janeiro, RJ.


 
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