ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Carlos Eduardo de Almeida, Mariella Affonseca, Carmen Sandra Guzmán Calcina, Evandro Pires, Heloisa Carvalho, Antonio Peregrino, Edilson Pelosi, Ivaldo Humberto Ferreira |
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Descritores: Controle da qualidade, Radioterapia, Intercomparação dosimétrica, Dosimetria termoluminescente, TLD |
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Resumo: IIIAssociação Brasileira de Física Médica (ABFM)
INTRODUÇÃO A sofisticação tecnológica crescente no uso de feixes de radiação na radioterapia tem exigido uma contínua busca pela redução das incertezas associadas à dose realmente dada ao volume tumoral de um paciente. Uma das formas de os centros de radioterapia conseguirem uma melhoria na uniformidade dos procedimentos dosimétricos é participar de programas de intercomparação metrologicamente consistentes e com enfoque educativo, e que incluam visitas de auditoria que busquem esclarecer as dúvidas remanescentes. Na área da radioterapia três programas de grande porte vêm sendo conduzidos: pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), que focaliza os países que preferencialmente não tenham programas estabelecidos; pela European Society for Therapeutic Radiology and Oncology (EQUAL-ESTRO), que visa às instituições européias; e pelo Radiological Physics Center (RPC-Houston), que atende as instituições americanas. No Brasil, o Programa de Qualidade em Radioterapia (PQR) atende as instituições filantrópicas, e o Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD) o utiliza como parte do seu programa de fiscalização. O Programa de Qualidade em Dosimetria (PQD), a exemplo dos outros programas, utiliza dosímetros termoluminescentes (TLD) na forma de pó, acondicionados em uma cápsula de plástico, em "kits" específicos para cada aplicação, que são encaminhados, por via postal, aos centros participantes. Para isso, duas situações são estudadas: condições de referência (medidas realizadas em uma única profundidade na água), de acordo com o programa da IAEA(1), e condições de não referência (medidas realizadas em diferentes condições experimentais), de acordo com o programa EQUAL-ESTRO(2). Este trabalho tem por objetivo apresentar a estrutura solidamente estabelecida de rastreabilidade dos padrões ionométricos e do sistema de medidas com TLD, como parte da confiabilidade do PQD, que visa a garantir o mais elevado nível de exatidão às suas medidas.
MATERIAIS E MÉTODOS Dosímetro O fluoreto de lítio utilizado é o DTL 937 (Philitech Company, França), dopado com Na, Mg e Ti e enriquecido com 7Li (99,994%). O DTL 937 foi escolhido por apresentar uma taxa de desvanecimento do sinal menor que 5% por ano na temperatura ambiente, além de distribuição favorável da informação dosimétrica na curva de termoluminescência, que deve ser idêntica à usada no programa ESTRO(2), e por apresentar número efetivo Zeff, LiF = 8,14, o qual é próximo ao do tecido humano, Zeff, tecido = 7,42. Além disso, devido à grande precisão que deve ser alcançada, o material em forma de pó não necessita calibração individual como os "chips" sólidos, permitindo várias leituras por ponto. Para as irradiações, o pó é acondicionado em cápsulas cilíndricas opacas, idênticas às usadas pela IAEA(1) e ESTRO(2). Cada dosímetro contém cerca de 160 mg de pó, permitindo cinco leituras por ponto de medida(2), o que resulta numa melhora significativa da precisão da medida. Para a leitura, o pó é retirado das cápsulas e transferido para recipientes de aço inoxidável, com ajuda de um dispensador manual. Cada recipiente recebe uma massa de cerca de 31 mg(2), sendo as leituras realizadas em um dos dois leitores Harshaw modelo QS 3500 do programa. Medidas de controle do processo de medida com dosímetros TLD Como parte do programa de garantia da qualidade do processo de medida, intercomparações foram realizadas entre o PQD e o EQUAL-ESTRO. Dosímetros foram irradiados no Brasil, fazendo-se uso de um equipamento de 60Co (Theratron 80), nas condições de referência (a 5 cm de profundidade, distância fonte-superfície (DFS) de 80 cm, campo de radiação de 10 × 10 cm², e dose de 2 Gy). Os dosímetros foram inseridos em um tripé de plástico fornecido pela IAEA e colocados em um recipiente cúbico de acrílico com água para simular o corpo humano, na geometria definida de acordo com a Figura 1A.
A fórmula utilizada para a determinação da dose absorvida realizada com TLD está descrita na Equação 1. Dm = R(E,D).N.flin.fen .fhol (1) onde: R(E,D) é a média das leituras do dosímetro (LiF); N é o fator de calibração; e um conjunto de fatores de correção: flin linearidade de resposta, fen dependência energética sempre que a qualidade do feixe usado seja diferente do feixe de referência (a magnitude deste fator varia de 1 a 0,97 para feixes com energias entre o 60Co e raios X de 25 MV, respectivamente)(3), fhol correção para a atenuação do suporte de acrílico, definida como 0,7% para 60Co e 2% para raios X de 25 MV na profundidade de 10 cm, e 2,1% e 1% na profundidade de 20 cm, respectivamente(3). Medidas de controle das câmaras de ionização Internamente, os padrões ionométricos do programa foram controlados periodicamente com uma fonte de referencia de 90Sr e realizadas intercomparações com padrões semelhantes do programa EQUAL. Para isso, foi enviada ao laboratório do EQUAL a câmara de referência PTW modelo 30001 calibrada no Laboratório Nacional de Metrologia das Radiações Ionizantes do Instituto de Radioproteção e Dosimetria (LNMRI-IRD), Rio de Janeiro, em termos de kerma no ar para 60Co, associada a um eletrômetro Keithley modelo 35040 calibrado no Laboratório Primário Francês. Essa câmara foi intercomparada com outras duas câmaras (IC-70 e 1602) do EQUAL-ESTRO. As câmaras foram irradiadas em uma unidade de 60Co (Theratron 80), equipamento de referência do EQUAL, nas condições de referência semelhantes às utilizadas para os TLD em geometria mostrada na Figura 1B. Foram também irradiadas com feixe de fótons de 6 MV produzido por um acelerador linear Siemens modelo Primus nas condições de referência: 10 cm de profundidade, com distância fontesuperfície de 100 cm, campo de 10 × 10 cm², e dose de 2 Gy, na mesma geometria utilizada para o 60Co. A dose absorvida na água foi avaliada de acordo com os protocolos de dosimetria IAEA TRS-277(4) e IAEA TRS-398(5). Avaliação das incertezas A incerteza total combinada, associada à medida da grandeza dose absorvida com TLD, foi estimada pelo método convencional da raiz quadrada da soma do quadrado das incertezas individuais dos tipos A e B, associadas às leituras referentes à câmara de ionização de referência e das incertezas específicas do sistema dosimétrico com TLD, tais como: desvanecimento do sinal, linearidade de resposta, espalhamento no suporte e fator de correção para a energia estudada quando o feixe do usuário é diferente daquele usado para calibrar o TLD. As incertezas combinadas (1s) relativas ao processo global do sistema de dosimetria com TLD são de 2,2% para o feixe de raios gama do 60Co e 2,4% para feixes de raios X de alta energia(6). Estrutura organizacional A estrutura organizacional formal do PQD é constituída de um coordenador que supervisiona os trabalhos dos responsáveis técnicos e de laboratório e mantém a ligação com os programas da ESTRO e da IAEA, e um comitê composto de um físico representando a Associação Brasileira de Física Médica (ABFM) e um radioterapeuta representando a Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT). As doses medidas pelo PQD são rastreadas ao Bureau International des Poids et Mesures" (BIPM, França) através do Secondary Standards Dosimetry Laboratories (SSDL), do LNMRI-IRD (Rio de Janeiro), e do Laboratório Primário da França PSDL (BNM/LNHB, França), através das intercomparações com o EQUAL-ESTRO. O Laboratório de Medidas do PQD está também ligado ao Laboratório de Dosimetria da IAEA e mais recentemente ao RPC-Houston através de intercomparações periódicas entre os diversos programas (Figuras 2 e 3).
RESULTADOS A rastreabilidade das medidas com TLD realizadas pelo LCR é regularmente verificada através de um programa de qualidade interno, de auditorias externas e de intercomparações periódicas realizadas anualmente. Os resultados da última intercomparação realizada entre o LCR e o EQUAL-ESTRO para o feixe de raios gama de 60Co, expressos para (1s), são apresentados na Tabela 1.
A dose absorvida na água é medida com câmara de ionização de acordo com os protocolos de dosimetria IAEA TRS-277 e IAEA TRS-398. Os resultados das medidas de dose absorvida, obtidos com as câmaras do Programa EQUAL e as câmaras do PQD, apresentaram discordância menor do que 0,5%, conforme apresentados na Tabela 2.
DISCUSSÃO Com o objetivo de garantir o grau necessário de consistência metrológica o LCR implantou, como parte do PQD, um sistema de rastreabilidade dos seus padrões ionométricos à rede metrológica internacional. Este objetivo foi realizado através de intercomparações periódicas e de um sistema de rastreabilidade das medidas com TLD, através de troca de amostras com vários laboratórios nacionais e internacionais. Os resultados obtidos estão perfeitamente compatíveis com o nível de excelência exigido para programas deste tipo. A implementação de um programa de dosimetria postal exige um sistema de controle consistente e um nível de coerência metrológica compatível com o grau de exigência da radioterapia moderna. É fundamental que os sistemas de medidas e gerencial demonstrem um alto nível de qualidade, a fim de garantir a sua credibilidade junto aos seus usuários.
CONCLUSÃO Os resultados preliminares obtidos permitem concluir que o programa PQD alcançou o nível desejado de confiabilidade necessário à implementação do programa.
REFERÊNCIAS 1.Izewska J, Andreo P. The IAEA/WHO TLD postal programme for radiotherapy hospitals. Radiother Oncol 2000;54:6572. [ ] 2.Ferreira IH, Dutreix A, Bridier A, Chavaudra J, Svensson H. The ESTRO-QUALity assurance network (EQUAL). Radiother Oncol 2000;55:27384. [ ] 3.Ferreira I, Richter J, Dutreix A, Bridier A, Chavaudra J, Svensson H. The ESTRO-EQUAL Quality Assurance Network for photon and electron radiotherapy beams in Germany. Strahlenther Onkol 2001;177: 38393. [ ] 4.International Atomic Energy Agency. Absorbed dose determination in photon and electron beams: an international code of practice. Technical Reports Series no. 277, 2nd ed. Vienna: IAEA, 1987. [ ] 5.International Atomic Energy Agency. Absorbed dose determination in external beam radiotherapy: an international code of practice for dosimetry based on standards of absorbed dose to water. Technical Reports Series no. 398. Vienna: IAEA, 2000:II-179. [ ] 6.Izewska J, Novotny J, Van Dam J, Dutreix A, Van der Schueren E. The influence of IAEA standard holder on dose evaluated from TLD sample. Phys Med Biol 1996;41:76573. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 18/5/2004. Aceito, após revisão, em 15/9/2004.
* Trabalho realizado no Laboratório de Ciências Radiológicas (LCR) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ. |