RELATO DE CASO
|
|
|
|
Autho(rs): João Paulo Kawaoka Matushita, Guilherme Carvalho Missiaggia, Roberto Márcio A. Peixoto, Hilton Muniz Leão Filho, Ricardo Saraiva Dias, Wilson Campos Tavares Junior, Cristina S. Matushita, José Nelson Mendes Vieira, João Paulo K. Matushita Junior |
|
Descritores: Pulmão em ferradura, Radiografia do tórax, Tomografia computadorizada, Angiografia |
|
Resumo: VAcadêmico de Medicina de Pouso Alegre, Universidade do Vale do Sapucaí (Univás), Pouso Alegre, MG, Brasil
INTRODUÇÃO O pulmão em ferradura foi descrito pela primeira vez por Spencer em 1962(1), que descreveu uma malformação em que as bases dos pulmões direito e esquerdo se juntavam por estreito istmo, posteriormente ao coração. O termo "pulmão em ferradura" foi dado em função da analogia com "rim em ferradura"(2). O pulmão em ferradura pode ser definido como hipoplasia de pulmão direito e fusão dos segmentos póstero-inferiores de ambos os pulmões atrás do coração, em frente ao esôfago e à coluna vertebral. O istmo de parênquima pulmonar resultante desta fusão recebe o seu suprimento arterial da artéria pulmonar direita e o seu brônquio, da arvore brônquica direita. Assim, os vasos e brônquios do istmo cruzam a linha média, e esta característica particular é encontrada na angiografia e na broncografia. Nos casos associados com a síndrome da cimitarra, o pulmão direito hipoplásico apresenta anomalias brônquicas e vasculares descritas nesta síndrome. O parênquima pulmonar é histologicamente normal(3). O istmo tem sua camada pleural própria, que é comumente incompleta e permite comunicação entre as pleuras direita e esquerda(3).
RELATO DO CASO Recém-nascido a termo, do sexo masculino, apresentou, ao nascimento, desconforto respiratório com cianose persistente. Foi feita radiografia do tórax, que mostrou hipotransparência de todo o hemitórax direito e hiperinsuflação do pulmão esquerdo (Figura 1).
Foi realizada tomografia computadorizada de tórax (Figura 2), que evidenciou pulmão direito hipoplásico e hiperinsuflação do pulmão esquerdo com sinais de aprisionamento de ar em seu lobo inferior, com imagem de continuidade entre os lobos inferiores, questionando-se herniação pulmonar ou pulmão em ferradura.
O ecodopplercardiograma mostrou dextrocardia e sinais de hipertensão pulmonar com grave dilatação das câmaras direitas e suspeita de drenagem anômala das veias pulmonares. O estudo hemodinâmico evidenciou elevada hipertensão da artéria pulmonar, com drenagem anômala das veias pulmonares total para a veia cava superior, um ramo de artéria pulmonar direita irrigando o lobo inferior de pulmão esquerdo e um ramo anômalo da aorta descendente irrigando o lobo inferior do pulmão direito (Figura 3).
O paciente foi submetido a intervenção cirúrgica, devido à elevada hipertensão da artéria pulmonar, tendo sido feita correção desta drenagem anômala das veias pulmonares total. A criança foi a óbito, sendo confirmado o diagnostico inicial por meio de necropsia.
DISCUSSÃO Em uma radiografia de tórax convencional não são observados sinais patognomônicos de deformidade do pulmão em ferradura(4,5). Nos pacientes com hipoplasia de pulmão direito, sem ou com a constelação cimitarra, a radiografia de tórax na incidência frontal demonstra dextroposição, grau variável de hipoplasia do hemitórax direito e pulmão esquerdo hiperinsuflado. Estes achados são típicos do pulmão em ferradura, sem ou com a síndrome da cimitarra, com fusão posterior dos segmentos basais dos pulmões direito e esquerdo(6?8). O pulmão direito, nesta anomalia, é anormal em termos de tamanho, lobo e árvore brônquica(9,10). A artéria do pulmão direito é usualmente hipoplásica, com padrão anormal, e em alguns casos é totalmente ausente; no entanto, em 40% dos casos o tamanho é próximo do normal(11). A síndrome da cimitarra caracteriza-se pela drenagem anômala parcial das veias pulmonares direita para veia sistêmica, geralmente abaixo do diafragma. Esta veia apresenta trajeto caudal oblíquo, que se assemelha à adaga oriental, que apresenta lâmina curva, chamada de cimitarra, daí a denominação, e associa-se em 15% dos casos com o pulmão em ferradura(12,13). Em nosso estudo não observamos associação com síndrome da cimitarra, e sim associação com drenagem anômala total das veias pulmonares para a veia cava superior, com hipertensão pulmonar grave, quando pode ocorrer associações com outras anomalias cardiovasculares, como defeito septal atrial, defeito septal interventricular, persistência dos ductus arteriosus, ventrículo esquerdo único e outras anomalias. Quando o diagnóstico do pulmão em ferradura é suspeitado, deve ser realizada arteriografia pulmonar. Nela, a artéria pulmonar direita exibe graus variáveis de hipoplasia e distribuição anormal dos ramos segmentares. A tomografia computadorizada do tórax é o método diagnóstico não-invasivo que melhor confirma o diagnóstico, demonstrando o istmo pulmonar entre a parte posterior do pericárdio e a coluna torácica. O estudo angiográfico da artéria pulmonar é útil para sua confirmação diagnóstica, pois é nele que observamos a artéria pulmonar direita com graus varáveis de hipoplasia e a diminuição de suas segmentações. Por meio dele avaliamos, ainda, o nível da pressão da artéria pulmonar. O prognóstico do pulmão em ferradura depende da pressão da artéria pulmonar. Os tipos de pulmão em ferradura com pressão da artéria pulmonar normal, em geral, são assintomáticos(2). A angiocardiografia e o dopplercardiograma são exames utilizados para avaliar anomalias cardiovasculares associadas. Não há características patognomônicas de anomalias de pulmão em ferradura na radiografia convencional do tórax. O diagnóstico pode ser feito através da arteriografia pulmonar e/ou pela tomografia computadorizada. Atualmente, dependendo dos recursos locais, pode-se obter excelentes avaliações da vascularização pulmonar através da tomografia computadorizada e ressonância magnética (angiotomografia e angiorressonância) ou mesmo com reconstruções em tomografia computadorizada helicoidal e multiplanar.
REFERÊNCIAS 1. Spencer H. Pathology of the lung. 3rd ed. Oxford: Pergamon Press, 1977;75?76. [ ] 2. Dupuis C, Remy J, Remy-Jardin M, Coulomb SM, Breviere GM, Ben Laden S. The "horseshoe" lung: six new cases. Pediatr Pulmonol 1994;17: 124?130. [ ] 3. Haworth SG, Sauer U, Buhlmeyer K. Pulmonary hypertension in scimitar syndrome in infancy. Br Heart J 1983;50:182?189. [ ] 4. Dische MR, Teixeira ML, Wincherster PH, Engle MA. Horseshoe lung associated with a variant of the "scimitar" syndrome. Br Heart J 1974;36: 617?620. [ ] 5. Thilenius OG, Ruschhaupt DG, Replogle RL, Bharati S, Herman T, Arcilla RA. Spectrum of pulmonary sequestration: association with anomalous pulmonary venous drainage in infants. Pediatr Cardiol 1983;4:97?103. [ ] 6. Felson B. Chest roentgenology. Philadelphia, PA: Saunders, 1973;87?92. [ ] 7. Felson B. Pulmonary agenesis and related anomalies. Semin Roentgenol 1972;7:17?30. [ ] 8. Richter K, Boch G. Dieanomalie der epibronchielen rechten. Pulmonaiarterieais. Litsymptom eines pulmo-kardiovakuioren syndromes. Rofo 1967;107:31?38. [ ] 9. Kittle CF, Crockett JE. Vena cava bronchovascular syndrome: a triad of anomalies involving the right lung: anomalous pulmonary vein, abnormal bronchi and systemic pulmonary arteries. Ann Surg 1962;156:222?233. [ ] 10. Neill CA, Ferencz C, Sabiston DC, Sheldon H. The familial occurrence of hypoplastic right lung with systemic arterial supply and venous drainage "scimitar syndrome". Bull Johns Hopkins Hosp 1960;107:1?21. [ ] 11. Farnsworth AE, Ankeney JL. The spectrum of the scimitar syndrome. J Thorac Cardiovasc Surg 1974;68:37?42. [ ] 12. Frank JL, Poole CA, Rosas G. Horseshoe lung: clinical, pathologic, and radiologic features and a new plain film finding. AJR Am J Roentgenol 1986;146:217?226. [ ] 13. Freedom RM, Burrows PE, Moes CA. "Horseshoe" lung: report of five new cases. AJR Am J Roentegenol 1986;146:211?215. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 23/4/2005. Aceito, após revisão, em 8/1/2007.
* Trabalho realizado no Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil. |