ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Luiz de Abreu Junior, Angela Maria Borri Wolosker, Maria Lucia Borri, Mário de Melo Galvão Filho, Giuseppe D'Ippolito, Luiz Guilherme de Carvalho Hartmann, Cláudio Campi de Castro |
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Descritores: Imagem por ressonância magnética, Vias lacrimais, Dacriocistografia, Bobina microscópica |
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Resumo:
INTRODUÇÃO Os problemas de drenagem das lágrimas têm prevalência estimada de 3%(1) e representam queixa relativamente freqüente em pacientes oftalmológicos. Epífora, que representa lacrimejamento excessivo por causa obstrutiva, pode dever-se a inflamações, tumores, trauma, intervenção cirúrgica, radioterapia ou alterações congênitas. A avaliação propedêutica das vias lacrimais inclui provas clínicas (sondagem e irrigação) e exames de imagem. Os métodos de imagem disponíveis para a avaliação das vias lacrimais são a dacriocistografia por raios-X, a dacriocintilografia (medicina nuclear), a dacriocistografia por tomografia computadorizada e a dacriocistografia por ressonância magnética (RM). A dacriocistografia por RM é hoje excelente opção diagnóstica ao estudo das vias lacrimais, com potenciais vantagens. Por não utilizar radiações ionizantes, não há acúmulo de risco ao desenvolvimento de catarata. A RM oferece elevada resolução (contraste) de partes moles, valendo-se da instilação de soro fisiológico ou de solução de gadolínio diluído, combinando a ausência de invasibilidade com a possibilidade de avaliação de alterações de natureza funcional. Tradicionalmente, utilizam-se bobinas de superfície para a obtenção de imagens diagnósticas. Com a introdução de bobinas ditas microscópicas, isto é, bobinas de superfície com diâmetros reduzidos, permitindo aumento do sinal de estruturas superficiais e conseqüente melhora da relação sinal-ruído, vislumbramos a possibilidade do estudo das estruturas normais das vias lacrimais em voluntários assintomáticos, comparando com os resultados obtidos por bobinas de superfície convencionais.
MATERIAIS E MÉTODOS Foi realizado estudo prospectivo em cinco voluntários assintomáticos (dez vias lacrimais), duas mulheres e três homens, com idade variando entre 29 e 33 anos (média de 31,2 anos). Esses indivíduos foram submetidos a exames de RM em aparelho Intera 1.5T (Philips Medical Systems; Best, Holanda) utilizando-se bobinas de superfície convencional (C1 160 mm) e microscópica (47 mm). Inicialmente, o exame era realizado com bobina denominada C1, utilizada na maior parte das aplicações clínicas que exigem estudo de estruturas superficiais. Em seguida, utilizava-se uma outra bobina de superfície, denominada de "microscópica", que se caracteriza por diâmetros internos reduzidos (menores que 5,0 cm). Pelas suas características, tal bobina resulta em aumento significativo do sinal de estruturas com localização superficial, sem aumento concomitante do ruído, oferecendo voxels menores sem prejuízo da qualidade. A bobina utilizada em nosso estudo tinha diâmetro interno de 47 mm (microscopic coil Philips Medical Systems; Best, Holanda). Utilizou-se seqüência STIR (TR = 3.800 ms / TE = 90 ms / TI = 180 ms / 1,8 mm de espessura) com ponderação T2, após instilação de duas gotas de soro fisiológico por minuto, em ambos os sacos conjuntivais, durante cinco minutos. A mesma seqüência foi realizada utilizando-se as duas bobinas diferentes, com intervalos de cinco a dez minutos entre as suas aquisições. Dois examinadores (uma radiologista especialista em cabeça e pescoço e um radiologista geral), em consenso, qualificaram subjetivamente, por meio de sistema de escore, a definição anatômica das diversas estruturas que compõem as vias lacrimais (canalículos lacrimais superior e inferior, saco lacrimal e ducto nasolacrimal). O sistema de escore utilizado foi: 0, estrutura não-visualizada; 1, má-visualização da estrutura; 2, boa visualização da estrutura; 3, ótima visualização da estrutura.
RESULTADOS A avaliação realizada por consenso pelos dois radiologistas está resumida na Tabela 1.
Em 90% das vezes (36 das 40 estruturas das vias lacrimais analisadas) houve aumento do escore atribuído à estrutura anatômica no estudo com a bobina microscópica, quando comparado ao estudo realizado com a bobina de superfície C1. Em média, houve aumento de 1,17 ponto no escore utilizado, por estrutura anatômica visualizada, quando se utilizou a bobina microscópica. Para apenas quatro estruturas 10% do total das estruturas analisadas (os dois ductos nasolacrimais do caso 2 e os dois sacos lacrimais do caso 5) não houve incremento do escore atribuído a elas com o uso da bobina microscópica. Observou-se melhora subjetiva da relação sinal-ruído em todos os casos analisados, quando se compararam as imagens com a bobina microscópica em relação às obtidas com a bobina de superfície convencional.
DISCUSSÃO Epífora hiperlacrimejamento decorrente de deficiência de drenagem representa queixa freqüente(1) em consultórios oftalmológicos (cerca de 3% das visitas ambulatoriais). Para se estabelecer a melhor conduta terapêutica a ser adotada (dacriocistorrinostomia, dacriocistoplastia, stent nasolacrimal ou irrigação com antibióticos), a informação sobre o nível e o tipo de obstrução é muito importante. Para tanto, além do exame clínico, deve se utilizar também um método de imagem para se atingir este objetivo. Os princípios da dacriocistografia por raios-X foram descritos por Ewing em 1909 e até recentemente foi o método de imagem mais freqüentemente utilizado para o estudo das vias lacrimais. Apesar de proporcionar excelente delineamento anatômico, esta técnica é relativamente invasiva e envolve certos riscos, como trauma iatrogênico e estenoses após a cateterização. Há também as desvantagens de utilizar radiação ionizante (nociva ao cristalino) e de não oferecer informações funcionais, uma vez que o contraste é administrado sob pressão por uma seringa/cateter. A dacriocintilografia é uma alternativa para o estudo de alterações funcionais das vias lacrimais, apresentando, entretanto, como desvantagem, a baixa resolução espacial para as estruturas de partes moles orbitárias, além de também expor o cristalino à radiação. A dacriocistografia por tomografia computadorizada, apesar de se revelar boa alternativa para o estudo das vias lacrimais, apresenta também desvantagens relativas, ligadas ao uso de radiação ionizante e ao potencial irritativo do contraste iodado para a conjuntiva. A RM tem sido relatada, na literatura, como um método viável ao estudo das vias lacrimais. Suas principais vantagens em relação aos demais métodos são: não-utilização de radiação ionizante; ausência de invasibilidade (instilação em vez de cateterização); avaliação anatômica e funcional; avaliação bilateral simultânea.
O exame pode ser realizado utilizando-se seqüências com ponderação T1 ou com ponderação T2(27). Nas seqüências T1, uma solução de gadolínio diluída funciona como meio de contraste; nas seqüências T2, como utilizado em nossos casos, o soro fisiológico a 0,9% é o meio que permite a identificação da via lacrimal. O uso de bobinas de superfície permite a obtenção de imagens de alta qualidade de estruturas anatômicas de localização superficial, condição na qual se incluem as estruturas normais das vias lacrimais. As bobinas convencionais, com diâmetros maiores, podem produzir imagens com relação sinal-ruído não-ótima, ao se utilizar cortes de espessura muito fina. Em nosso protocolo, os cortes de 1,8 mm de espessura apresentaram-se relativamente ruidosos com o uso da bobina convencional. Apesar de a maior parte das estruturas ter sido visualizada com esta bobina, tais estruturas foram qualificadas como de visualização não-ótima. Há vários relatos na literatura referentes à melhora da relação sinal-ruído com o uso de bobinas microscópicas para a avaliação de estruturas de vários tecidos diferentes, como ligamentos e meniscos do joelho(8) e linfonodos cervicais patológicos(9). O nosso estudo é condizente com esses relatos, tendo em vista que todas as estruturas das vias lacrimais foram mais bem caracterizadas ao exame com bobina microscópica, mesmo quando algum artefato esteve presente (por exemplo, artefatos de movimento). Este aspecto é especialmente relevante quando consideramos a identificação dos canalículos lacrimais. Por serem estruturas de pequeno calibre, a visualização destas é algumas vezes limitada quando são utilizadas bobinas de superfície convencionais(2). No nosso estudo houve melhora da caracterização dos canalículos lacrimais com a utilização da bobina microscópica. Tal constatação permite que vislumbremos a possibilidade de aprimoramento do diagnóstico de obstrução das vias lacrimais, especialmente das obstruções altas (pré-saculares). Entretanto, serão necessários estudos com indivíduos sintomáticos para a certificação dessa hipótese.
CONCLUSÃO A dacriocistografia por RM utilizando-se bobinas microscópicas é um método adequado para a identificação de estruturas normais das vias lacrimais, resultando em imagens de melhor qualidade quando comparada ao uso de bobinas de superfície convencionais.
REFERÊNCIAS 1. Linberg JV, McCormick SA. Primary acquired nasolacrimal duct obstruction. A clinicopathologic report and biopsy technique. Ophthalmology. 1986;93:105563. [ ] 2. Caldemeyer KS, Stockberger SM Jr, Broderick LS. Topical contrast-enhanced CT and MR dacryocystography: imaging the lacrimal drainage apparatus of healthy volunteers. AJR Am J Roentgenol. 1998;171:15014. [ ] 3. Kirchhof K, Hähnel S, Jansen O, et al. Gadolinium-enhanced magnetic resonance dacryocystography in patients with epiphora. J Comput Assist Tomogr. 2000;24:32731. [ ] 4. Yoshikawa T, Hirota S, Sugimura K. Topical contrast-enhanced magnetic resonance dacryocystography. Radiat Med. 2000;18:35562. [ ] 5. Takehara Y, Isoda H, Kurihashi K, et al. Dynamic MR dacryocystography: a new method for evaluating nasolacrimal duct obstructions. AJR Am J Roentgenol. 2000;175:46973. [ ] 6. Manfrè L, de Maria M, Todaro E, et al. MR dacryocystography: comparison with dacryocystography and CT dacryocystography. AJNR Am J Neuroradiol. 2000;21:114550. [ ] 7. Hoffmann KT, Hosten N, Anders N, et al. High-resolution conjunctival contrast-enhanced MRI dacryocystography. Neuroradiology. 1999;41: 20813. [ ] 8. Niitsu M, Ikeda K. Magnetic resonance microscopic images with 50-mm field-of-view of the medial aspect of the knee. Acta Radiol. 2004;45: 7608. [ ] 9. Sumi M, Van Cauteren M, Nakamura T. MR microimaging of benign and malignant nodes in the neck. AJR Am J Roentgenol. 2006;186:74957. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 4/9/2007. Aceito, após revisão, em 4/12/2007.
* Trabalho realizado na Scopo Diagnóstico, Serviço de US, TC e RM do Hospital São Luiz, São Paulo, SP, Brasil. |