Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Page(s) 257 to 261



Avaliação ultrassonográfica do pênis

Autho(rs): Maitê Aline Vieira Fernandes1; Luis Ronan Marquez Ferreira de Souza2; Luciano Pousa Cartafina3

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Texto em Português English Text

Descritores: Pênis; Ultrassonografia; Ultrassonografia Doppler em cores; Ultrassonografia Doppler dupla; Doenças do pênis.

Keywords: Penis; Ultrasonography; Ultrasonography, Doppler, color; Ultrasonography, Doppler, duplex; Penile diseases.

Resumo:
A ultrassonografia é um excelente método para a avaliação peniana. Neste artigo, com base em uma análise crítica da literatura e arquivos didáticos, apresentamos exemplos das principais alterações encontradas na rotina ultrassonográfica, destacando-se o traumatismo, o priapismo, a doença de Peyronie e a disfunção erétil.

Abstract:
Ultrasound is an excellent method for the study of penis. In this article, using a critical review of the literature and teaching files, we present examples of the major findings in the ultrasound routine, focusing on trauma, priapism, Peyronie’s disease, and erectile dysfunction.

INTRODUÇÃO

A ultrassonografia é uma modalidade de imagem que, além de bem tolerada e facilmente disponível, é considerada excelente método para a avaliação de muitas doenças penianas(1). Trauma peniano, priapismo, doença de Peyronie e disfunção erétil são algumas das condições em que a ultrassonografia de pênis encontra grande aplicabilidade.

Atualmente, os transdutores lineares têm como frequência máxima 12–15 MHz, o que aumenta a definição do estudo ultrassonográfico. A avaliação peniana é geralmente realizada quando o pênis se encontra flácido, salvo em algumas situações em que o exame deve ser realizado em posição ereta, por meio de injeção de drogas vasoativas nos corpos cavernosos, como nos casos de disfunção erétil(1). O pênis deve ser posicionado em posição anatômica (sobre o abdome) e avaliado na transversal e longitudinal, dirigido da glande em direção à base do pênis(2). Em situações específicas, como na avaliação da doença de Peyronie, o pênis também deve ser avaliado posicionado sobre uma toalha/lenços ou sobre a bolsa testicular, com uma abordagem lateral.


ANATOMIA E FISIOLOGIA

Os corpos cavernosos são estruturas cilíndricas homogêneas e relativamente hipoecoicas(2) revestidas pela túnica albugínea, uma delgada lâmina que tem espessura de cerca de 2 mm com o pênis flácido e de cerca de 0,25 mm durante a ereção(3). O corpo esponjoso, ventral e mediano, mais ecogênico que os corpos cavernosos, também é revestido pela túnica albugínea e contém a uretra. É mais dilatado e saliente em seu segmento proximal, denominado bulbo, e em seu segmento distal, constituindo a glande(2) (Figuras 1 e 2). A fáscia de Buck é superficial à túnica albugínea e reveste todas as estruturas descritas.


Figura 1. Anatomia normal do pênis em corte transversal e acesso ventral demonstrando duas imagens hipoecogênicas que correspondem aos corpos cavernosos (seta duas pontas), com suas respectivas artérias cavernosas (setas grossas), com linha ecogênica que os envolve e corresponde à túnica albugínea (seta fina). Adjacente aos corpos cavernosos há o corpo esponjoso (asterisco).


Figura 2. Corte longitudinal do pênis sob acesso lateral direito. Superiormente, observa-se estrutura cilíndrica que corresponde ao corpo cavernoso (seta grossa), e adjacente e inferiormente, há o corpo esponjoso (seta fina).



A drenagem venosa é realizada pelas veias dorsais profunda e superficial do pênis. Artérias dorsais do pênis têm localização adjacente à veia dorsal profunda e uma artéria cavernosa é localizada no centro de cada corpo cavernoso. No Doppler em cores, as artérias cavernosas apresentam fluxo monofásico. Artérias cavernosas normais, no pênis flácido, exibem pico sistólico entre 11 e 20 cm/s(1) (Figura 3). No início da ereção, os fluxos sistólicos e diastólicos sofrem aumentos progressivos. Quando a veno-oclusão se inicia, o fluxo diastólico diminui progressivamente, e uma vez instalada a rigidez, torna-se negativo(1).


Figura 3. Ultrassonografia de pênis, acesso ventral, corte longitudinal com modo pulsado e Doppler em cores. Padrão normal de fluxo da artéria cavernosa com pênis em estado flácido.



TRAUMA PENIANO

O trauma peniano pode decorrer de mecanismo contuso ou penetrante, sendo este último raramente investigado pelos métodos de imagem, quase sempre exigindo exploração cirúrgica imediata(2). No pênis ereto, o trauma resulta de alongamento e afilamento da túnica albugínea, que pode sofrer ruptura segmentar de um ou ambos os corpos cavernosos, caracterizando uma fratura peniana.

No exame de ultrassonografia, a lesão tunical se apresenta como uma interrupção da túnica albugínea (perda da continuidade da linha ecogênica que a representa) (Figura 4). Hematomas pequenos, moderados ou amplos denunciam a amplitude da descontinuidade tunical(4). Podem ser observados hematomas intracavernosos, às vezes sem a presença de fratura albugínea, quando há lesão da musculatura lisa das trabéculas que circundam os espaços sinusoides ou do plexo venoso subtunical(3).


Figura 4. A: U ltrassonografia d e pênis, a cesso lateral direito. Corte longitudinal mostrando ruptura da túnica albugínea, com hematoma adjacente de 1,92 cm (entre os marcadores +) decorrente de trauma. B: Ressonância magnética, TSE T2, axial, demonstrando descontinuidade do hipossinal da túnica albugínea, à esquerda (seta), secundária a fratura.



Em cerca de 10% a 15% dos traumas penianos, a lesão uretral poderá estar associada(4). Quando for observado sangue no meato uretral, é necessária a avaliação da uretra por exame contrastado. Nos casos em que a ultrassonografia for inconclusiva, a ressonância magnética pode auxiliar no diagnóstico(4), sendo hoje frequentemente recomendada na literatura(3,4).


PRIAPISMO

O priapismo é definido como uma ereção peniana dolorosa e prolongada associada ou não ao estímulo sexual(4). A ultrassonografia com Doppler em cores é o método de imagem de escolha para investigação de priapismo, uma vez que se trata de um método não invasivo, de fácil disponibilidade e alta sensibilidade(4). Por meio desse método, é possível diagnosticar e diferenciar o priapismo de baixo e de alto fluxo.

O priapismo de baixo fluxo (isquêmico) é emergência urológica na qual ocorre drenagem venosa inadequada, o que resulta em hipóxia, isquemia e acidose tecidual, que podem resultar em fibrose e disfunção erétil. São descritas várias causas, entre elas, anemia falciforme (a mais comum em crianças), leucemia e outras discrasias sanguíneas (talassemia e mieloma múltiplo), uso de várias drogas lícitas e ilícitas e neoplasias. No Doppler, observa-se fluxo reduzido ou ausente nas artérias cavernosas(4). Na progressão do quadro, ocorre aumento da ecogenicidade dos corpos cavernosos, atribuído ao edema tecidual. Tardiamente, alterações da ecotextura dos corpos cavernosos podem ser observadas em decorrência da transformação fibrótica gerada pela anóxia tecidual(1).

O priapismo de alto fluxo não é considerado emergência, visto que os pacientes estão sob menor risco de sequelas permanentes(4). Associa-se a trauma contuso perineal ou peniano, com laceração da artéria cavernosa, que pode gerar uma fístula arteriolacunar. No estudo com Doppler, pode-se observar fluxo sanguíneo normal ou aumentado e turbilhonado nas artérias cavernosas. A área que circunda a fístula apresenta lesão hipoecoica, irregular no tecido cavernoso(4) (Figura 5).


Figura 5. Ultrassonografia com Doppler em cores demonstrando coleção hipoecoica que corresponde a hematoma com fístula arteriovenosa secundária a lesão traumática em pênis por impacto com guidão de bicicleta, determinando priapismo de alto fluxo.



DOENÇA DE PEYRONIE

A doença de Peyronie é caracterizada pelo espessamento fibrótico da túnica albugínea, que pode gerar curvatura no pênis e dificuldade de ereção(5). Na fibromatose de Peyronie ocorre a formação de placas fibrosas identificadas como áreas onde a túnica albugínea se encontra espessada(1). As placas são mais frequentes no dorso do pênis, porém, podem ser também identificadas nas faces ventral, lateral ou no septo peniano.

O achado típico, na ultrassonografia, é de espessamento focal hiperecoico da túnica albugínea. Na decorrência de calcificações associadas, a imagem exibe sombra acústica(5) (Figuras 6 e 7). Achados menos frequentes, atribuídos a estágios mais precoces da doença (fibrose ainda discreta), são lesões hipoecoicas com espessamento focal dos tecidos pericavernosos, espessamento focal ecogênico da túnica sem sombra acústica posterior, lesões isoecoicas retráteis com atenuação do feixe sonoro posteriormente, e perda focal da continuidade da túnica albugínea(5). No estudo com Doppler, o aumento do fluxo ao redor das placas pode sugerir atividade inflamatória e a ausência pode sugerir estabilidade da doença(6). A ultrassonografia é útil não só para a identificação das lesões, mas também para determinar sua relação com o feixe neurovascular(1). A disfunção erétil pode estar presente na doença de Peyronie, frequentemente relacionada a fuga venosa, pela drenagem anormal no local da placa(5).


Figura 6. Ultrassonografia de pênis, acesso ventral, corte transversal na porção média peniana. Observar imagem ecogênica com sombra acústica posterior no corpo cavernoso esquerdo, que corresponde a calcificação (seta).


Figura 7. Radiografia simples com penetração de partes moles de pênis demonstrando imagens radiopacas que correspondem a calcificações nos corpos cavernosos (setas).



DISFUNÇÃO ERÉTIL

A maioria dos casos de disfunção erétil de causa orgânica está relacionada a alterações no fluxo sanguíneo nos corpos cavernosos, representadas pela doença arterial oclusiva, mais frequentemente de origem aterosclerótica, ou por falha no mecanismo veno-oclusivo(7). Precedendo o exame ultrassonográfico com Doppler, o pênis deve ser examinado pelo modo B, com a finalidade de identificar possíveis tumores, placas fibróticas, calcificações ou hematomas, bem como o aspecto das artérias cavernosas, que podem se apresentar tortuosas ou ateromatosas.

A indução da ereção é realizada pela injeção de 10 a 20 µg de prostaglandina E1, com avaliações repetidas do fluxo arterial a cada cinco minutos durante 25 a 30 minutos (Figura 8). Essa droga é contraindicada em pacientes com predisposição ao priapismo (anemia falciforme, por exemplo), com deformidade anatômica do pênis ou com implante peniano. A associação com fentolamina 2 mg é frequentemente utilizada. O estímulo visual e tátil possibilita melhores resultados(8). Alguns artigos indicam o uso de medicamento oral (citrato de sildenafil 50 mg) para substituir o injetável nos casos de contraindicações, sendo sua eficácia motivo de controvérsia na literatura(9,10).


Figura 8. Corte transversal de pênis sob acesso ventral. Imagem obtida após indução da ereção, 15 minutos após injeção de prostaglandina E1, demonstrando sinusoides dilatados (setas).



Antes da injeção da droga escolhida, o padrão de fluxo é monofásico, com baixas velocidades sistólicas e ausência de fluxo diastólico. Após a injeção, se espera observar aumento das velocidades de pico sistólico e diastólico, o qual diminui progressivamente com a veno-oclusão, até que se negativa quando o pênis se torna rígido (Figura 9). Os valores de referência variam em diferentes estudos (acima de 25 a 35 cm/s)(11,12). Valores acima de 35 cm/s indicam ausência de doença arterial, valores abaixo de 25 cm/s indicam insuficiência arterial e valores entre 25 e 35 cm/s são indeterminados porque são pouco específicos (Figura 10). Os dados obtidos devem ser correlacionados com o grau de ereção observado. Caso as velocidades de pico sistólico estejam normais, devem-se avaliar as velocidades diastólicas finais, que se estiverem acima de 5 cm/s estão associadas a insuficiência venogênica.


Figura 9. Gráficos representando numericamente o espectro do Doppler em cores do padrão de fluxo das artérias cavernosas durante as fases da ereção. A: Fluxo monofásico com diástole mínima ou ausente quando o pênis está flácido. B: Aumento do fluxo sistólico e diastólico após 10 minutos de injeção de droga vasoativa. C: Fluxo sistólico aumentado e diástole reversa após 25 minutos pós-injeção de prostaglandina.


Figura 10. Ultrassonografia de pênis, acesso ventral, corte longitudinal com modo pulsado e Doppler em cores. Fluxo das artérias cavernosas aos 5 minutos (A), 15 minutos (B) e 25 minutos (C) após injeção de prostaglandinas. Observar que o fluxo cavernoso mantém-se abaixo dos níveis esperados (no mínimo 25–35cm/s), o que indica disfunção erétil por insuficiência arterial.



CONCLUSÃO

A ultrassonografia é método de grande utilidade, tanto pela disponibilidade quanto pela eficácia na avaliação do pênis, no que diz respeito a diagnóstico, como no caso de fratura peniana e doença de Peyronie, e a fator etiológico, como no caso de priapismo e disfunção erétil. O conhecimento de como diferenciar o aspecto normal do patológico do pênis, bem como manejar as técnicas do Doppler com essa finalidade, é de extrema importância para diagnóstico e auxílio na definição de condutas.


Agradecimento

Agradecemos ao professor Décio Prando, pelo apoio técnico para a realização do trabalho.


REFERÊNCIAS

1. Bertolotto M, Pavlica P, Serafini G , et al. Painful penile induration: imaging findings and management. Radiographics. 2009;29:477–93.

2. Avery LL, Scheinfeld MH. Imaging of penile and scrotal emergencies. Radiographics. 2013;33:721–40.

3. Bhatt S, Kocakoc E, Rubens DJ, et al. Sonographic evaluation of penile trauma. J Ultrasound Med. 2005;24:993–1000.

4. Bertolotto M, Quaia E, Mucelli FP, et al. Color Doppler imaging of posttraumatic priapism before and after selective embolization. Radiographics. 2003;23:495–503.

5. Prando D. New sonographic aspects of Peyronie disease. J Ultrasound Med. 2009;28:217–32.

6. Kalokairinou K, Konstantinidis C, Domazou M, et al. US imaging in Peyronie’s disease. J Clin Imaging Sci. 2012;2:63.

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8. Connolly JA, Borirakchanyavat S, Lue TF. Ultrasound evaluation of the penis for assessment of impotence. J Clin Ultrasound. 1996;24:481–6.

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10. Baçar MM, Batislam E, Altinok D, et al. Sildenafil citrate for penile hemodynamic determination: an alternative to intracavernosal agents in Doppler ultrasound evaluation of erectile dysfunction. Urology. 2001;57:623–6.

11. Wilkins CJ, Sriprasad S, Sidhu PS. Colour Doppler ultrasound of the penis. Clin Radiol. 2003;58:514–23.

12. Maia CR. Penis. In: Souza LRMF, De Nicola H, Szejnfeld J. Ultrassonografia de órgãos e estruturas superficiais. São Paulo, SP: Roca; 2007. p. 207–20.










1. Médica Radiologista, Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Uberaba, MG, Brasil
2. Médico Radiologista, Professor Associado de Radiologista da Disciplina de Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Uberaba, MG, Brasil
3. Médico Urologista, Membro do Corpo Clínico da Disciplina de Urologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Uberaba, MG, Brasil

Trabalho realizado na Disciplina de Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Uberaba, MG, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Luis Ronan Marquez Ferreira de Souza
Avenida Claricinda Alves de Resende, 1650, L9Q9, Flamboyant Residencial Park
Uberaba, MG, Brasil, 38081-793
E-mail: luisronan@gmail.com

Recebido para publicação em 21/8/2016
Aceito, após revisão, em 25/11/2016
 
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